sábado, 27 de junho de 2015

Porque o psicólogo não pode ser homofóbico

Após a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos e da onda de fotos coloridas no Facebook, a discussões entre os defensores da igualdade e os homofóbicos esquentou nas redes sociais. Assim como todos aqueles que são a favor dos direitos iguais quiseram defender essa bandeira através de suas fotos de perfil, muitas pessoas que são contra as relações homoafetivas também sentiram-se pressionadas a se posicionar.

Essa briga existe desde que o mundo é mundo, e é claro que não é agora que ela vai se resolver. Quando criticados, um dos principais argumentos das pessoas homofóbicas é "eu tenho direito de ter minha opinião, se você não a aceita intolerante é você". Até certo ponto faz sentido. Realmente concordo que uma pessoa tem direito a se posicionar contra relações homossexuais, contra o casamento homossexual ou qualquer coisa ligada à homossexualidade. Se uma pessoa adota para si uma religião que condena a homossexualidade, nada mais coerente do que ela própria condenar também. É um posicionamento pessoal, e deve ser respeitado (dentro de limites legais e éticos).

No entanto, me incomoda um pouco o fato de ver muitos psicólogos e alunos do curso de Psicologia adotando esse posicionamento, e o defendendo abertamente. No meu entendimento, é incompatível ser psicólogo e ser contra a homossexualidade ou as relações homoafetivas, independente de qualquer individualidade e idiossincrasia do profissional da Psicologia. Escrevo este texto para tentar explicar o porquê.



Ainda que no campo teórico exista muita pluralidade em relação ao que a Psicologia é – quais seus métodos e objetos de estudo, em que conceitos e instrumentos deve se pautar – enquanto profissão a Psicologia é bastante singular. A Organização Mundial de Saúde define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. A Psicologia é frequentemente considerada como uma profissão da área da saúde, e uma das batalhas da classe é assegurar nosso espaço como responsáveis pela promoção da saúde de indivíduos e grupos. Sendo assim, em qualquer contexto no qual trabalhe, o objetivo de um psicólogo sempre será promover o bem-estar físico, mental e social (sobretudo os dois últimos) das pessoas.

Esse objetivo, obviamente, não é exclusivo da Psicologia. Poder-se-ia argumentar que uma prostituta, de algum modo, trabalha para promover o bem-estar do seu cliente. Vários outros profissionais trabalham com objetivos similares. O que distingue a Psicologia é o tipo de procedimentos e conhecimentos nos quais se fundamenta. Ainda que existam discussões internas sobre a legitimidade do uso do termo “ciência”, qualquer conhecimento dito psicológico deve ter bases científicas, ou então será apenas senso comum. O curso de Psicologia é longo e caro; acredito que ninguém se dispõe a passar cinco anos no banco da faculdade para, depois de formado, trabalhar na base do senso comum. Sendo assim, acho razoável dizer que a profissão da Psicologia envolve o uso de conhecimentos psicológicos científicos para promoção do bem-estar de indivíduos e grupos. Sem exceções.

Sob essa ótica, para que um psicólogo se posicione contra qualquer tipo de relação homossexual, ele deve acreditar que este tipo de comportamento ou característica do indivíduo possa lhe trazer algum prejuízo à sua saúde e ao seu bem-estar. De fato, por muito tempo o homossexualismo foi considerado uma doença (por isso o –ismo), sendo listada no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) como um desvio sexual. Essa noção caiu há mais de 40 anos, e desde 1973 a homossexualidade oficialmente deixou de ser considerada um transtorno mental. A posição adotada então, e que vigora até hoje, é que a homossexualidade não é doença, e por isso não deve ser tratada como tal.

O fato de não ser uma doença não implica, evidentemente, que não deva ser alvo de intervenções psicológicas. Qualquer prática ou característica individual que traga sofrimento ao indivíduo, a princípio, pode ser um foco de intervenção por parte de um psicólogo. A pergunta agora é: a homossexualidade é um fator de sofrimento para o indivíduo? Se sim, como deve ser tratado?


Como quero ter o máximo de embasamento científico para o que estou falando, decidi fazer uma busca para saber se homossexuais são menos felizes que heterossexuais. Para minha surpresa, encontrei indicativos de que sim em um estudo que afirma que homossexuais têm maior risco de desenvolver transtornos mentais.

“Taxas de depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, auto-lesão, pensamentos suicidas e dependência de álcool e drogas foram significativamente maiores nos respondentes homossexuais. Quatro porcento tiveram um episódio depressivo na última semana, comparados com dois porcento das pessoas heterossexuais. A taxa de dependência de álcool foi de 10% versus 5%, e de auto-lesão foi de 9% versus 5%. A propoção de pessoas homossexuais que se descreveram como sendo razoavelmente ou muito felizes foi de 30%, versus 40% das pessoas heterossexuais”.

Ainda que as diferenças numéricas não sejam grandes, o fato de serem estatisticamente significativas parecem um forte argumento a favor daqueles que defendem a homossexualidade como algo negativo do ponto de vista psicológico. Mas não surpreendentemente, a explicação adotada pelos pesquisadores que têm chegado a esses dados está justamente nessa visão da homossexualidade como algo negativo:

“Há várias razões pelas quais as pessoas gays podem ter maior propensão a relatar dificuldades psicológicas, o que inclui dificuldades no desenvolvimento em um mundo orientado por normas heterossexuais, os valores e a influência negativa do estigma social contra a homossexualidade.”

Ou seja, paradoxalmente, é justamente o preconceito, mesmo travestido de tentativas de "ajudar" os homossexuais, é que faz com que sofram. Não há indícios científicos concretos de que a orientação sexual de uma pessoa esteja inerentemente acompanhada de sofrimento ou mal-estar; este sofrimento acontece quando sua condição não é aceita.


Falando em pesquisa, alguns outros dados que encontrei:

Sobre diferenças na personalidade, em vários traços as lésbicas tendem a ter características próximas aos homens heterossexuais, assim como homens gays tendem a ter traços de personalidade próximos a mulheres heterossexuais. Essa diferença de traços de personalidade tem paralelos em diferenças no funcionamento cerebral. No entanto, para além da masculinidade-feminilidade, não parece haver diferenças importantes na personalidade entre homossexuais e heterossexuais.

Quanto à união homoafetiva, há estudos internacionais que mostram que ela tende a ser tão estável quanto as uniões heteroafetivas. Além disso, outros estudos mostram que crianças criadas por casais do mesmo sexo não têm uma vida pior do que crianças criadas por casais homem-mulher.

Sendo assim, além do fato de se relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo, não existe nenhuma característica em pessoas homossexuais que poderia ser um fator de sofrimento. E se não traz sofrimento, não deve ser alvo de intervenção psicológica.

Mais do que isso, diante do que se tem documentado até hoje, a orientação sexual é efetivamente “intratável”. Não existem relatos científicos confiáveis de qualquer procedimento capaz de modificar a orientação sexual de uma pessoa. Aqueles que se dizem “ex-gays” são pessoas que conseguiram se conter no sentido de não se engajar em relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, mas isso não implica que algo na sua sexualidade ou preferência sexual efetivamente tenha sido modificado. Além disso, relatos de tentativas da chamada “terapia de conversão” têm mostrado efeitos psicológicos bastante indesejáveis nos participantes, eventualmente resultado em suicídio.

Poder-se-ia argumentar que a homossexualidade é um problema psicológico legítimo para alguém que vive em um contexto homofóbico, pois essa pessoa sofrerá por ser vítima de preconceito. Várias vezes já ouvi homossexuais dizendo “se eu pudesse escolher, seria muito mais fácil ser heterossexual”, assim como pais de homossexuais dizendo “eu não quero que meu filho seja gay por medo de que sofra preconceito”. Mudar para se “ajustar ao meio” não é em si de todo indesejável. Mas quando é o próprio interesse de mudança que traz sofrimento ao indivíduo e essa mudança nem mesmo é possível, deixamos de ter um problema tratável. Se o psicólogo quer realmente trazer saúde e bem-estar a essa pessoa, o único caminho possível é a aceitação.


O ponto ao qual quero chegar é: para a Psicologia a homossexualidade é apenas uma característica individual, não é uma doença, ou um problema, ou um transtorno, ou nada que possa ser patologizável. Essa não é a posição de algumas psicologias, e sim da profissão como um todo. Sendo assim, não cabe ao psicólogo julgar a homossexualidade como algo ruim. Aquele que o faz está colocando seus próprios valores pessoais (ou morais, ou religiosos, ou familiares, ou quaisquer que sejam) na frente da sua profissão. A pessoa que vai até um psicólogo está em busca de um saber científico que possa trazer-lhe bem-estar, e não de uma pessoa que vá tentar lhe impor seus próprios valores pessoais.

O problema do psicólogo homofóbico não é só a homofobia, porque se fosse ele poderia, em tese, simplesmente não atender homossexuais (como já vi muitos estudantes de psicologia declarando que não fariam) e continuar sendo um bom profissional com o resto da população. Mas um psicólogo incapaz de exercitar aceitação acima de seus valores individuais simplesmente não está sendo profissional. Essa pessoa estará fazendo um péssimo exercício da profissão.

Peço a todos os meus alunos, estudantes e profissionais da área que tenham preconceito com qualquer tipo de população que pensem com muito carinho no seu verdadeiro papel enquanto psicólogo, e também nessas pessoas as quais estão rejeitando. No final das contas, tudo se resume ao que efetivamente nos fará bons profissionais capazes de trazer bem estar àqueles que procuram nosso trabalho. Aqueles que não conseguem encontrar em si a capacidade de aceitar o ser humano incondicionalmente (pois a aceitação precede qualquer trabalho do Psicólogo), pelo menos se esforcem um pouquinho para não denegrir a profissão daqueles que estão tentando fazer a coisa do jeito certo.

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3 comentários:

  1. Ótimo texto. Gostaria de salientar que concordo com a sua posição, sou aluno de psicologia, ainda sei muito pouco sobre a mesma, porém, já aprendi que para me tornar um bom profissional não posso ter e nem transparecer preconceitos. Cada indivíduo é único ou seja, tem suas opiniões, ideologias e sua religião. O grande fardo aqui se trata de psicólogos e futuros psicólogos como eu. Psicólogos também tem o direito de ter sua opinião própria sobre determinado assunto, porém, dentro de sua profissão, atuando como tal, não podemos deixar que isso transpareça e possa vir a "queimar" a imagem da psicologia que vive passando por turbulências sobre sua cientificidade. Creio que alunos de psicologia ainda precisam fazer a distinção entre o seu "eu" como pessoa e seu "eu" como psicólogo. Para que não aja comentários infelizes e estes venham a atrapalhar a carreira desse indivíduo e de outros mais.

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    1. Edilson, pra ser sincero, acho que "esconder" ou "não deixar transparecer" algumas posições é o mínimo. A verdade é que, em certo nível de compreensão, simplesmente não cabe mesmo. Considerar errada a homossexualidade é igual considerar errado o fato de a pessoa ser negra, ou ser baixa. Não há muito sentido em julgar alguém por algo que não é escolhido. E mesmo se fosse. Se você lida num contexto de psicologia com um criminoso (alguém que poderia ou não ter cometido aqueles atos), julgar esses comportamentos como certos ou errados tem pouca importância para o trabalho que seria feito com essa pessoa. O ponto de partida de qualquer trabalho da psicologia é a compreensão do fenômeno, entender porquê as pessoas fazem o que fazem. Quando a gente entende, vê que tudo faz sentido dentro da realidade da pessoa. Julgar como certo e errado é sempre incompatível com essa compreensão. O motivo pelo qual psicólogos não podem ter preconceito não é só ético. É que quase sempre (ou melhor, sempre mesmo) isso revela uma ignorância de seu objeto de estudo.

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