domingo, 27 de setembro de 2015

Anabolizante psicológico

Há não muito tempo atrás, uma referência de homem forte seria alguém assim:


Ou no máximo assim:


Hoje, homens com esses corpos não se destacariam tanto. Homens que buscam um corpo realmente musculoso colocam metas mais altas como:


E até:


Mas a mudança cultural não foi acompanhada por mudanças biológicas proporcionais. Não há motivos para acreditar que um homem dos dias de hoje esteja fisiologicamente mais apto para o desenvolvimento de massa muscular do que os homens de quatro décadas atrás. Ainda que avanços no campo do treinamento e da alimentação favoreçam o crescimento muscular, o fato bem conhecido é que qualquer homem realmente forte nos dias de hoje toma ou já tomou algum tipo de anabolizante.

É o tipo de coisa que todo mundo faz mas ninguém fala. O uso indevido de anabolizantes pode causar diversos prejuízos a saúde. Mas o uso controlado é o que torna possível que um homem de quase 50 anos de idade tenha um corpo assim.


Não se iluda: todos esses bombadinhos que você vê por aí usam ou já usaram. O intuito desse texto não é advogar a favor nem contra. Mas para eu chegar onde quero, vamos entender o que realmente é um anabolizante.
Os esteróides androgênicos anabólicos (EAA ou AAS - do inglês Anabolic Androgenic Steroids), também conhecidos simplesmente como anabolizantes, são uma classe de hormônios esteróides naturais e sintéticos que promovem o crescimento celular e a sua divisão, resultando no desenvolvimento de diversos tipos de tecidos, especialmente o muscular e ósseo. São substâncias geralmente derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, e podem ser administradas principalmente por via oral ou injetável. (Wikipedia)
Portanto, o que um anabolizante faz a grosso modo é suplementar a produção natural de testosterona do corpo, o que é feito com objetivos de aumento de ganho muscular.

Além dos efeitos colaterais e dos prejuízos pelo mal-uso, um dos problemas com o uso de anabolizante é que seus efeitos não são duradouros. Após o término de um ciclo do uso do medicamento, os níveis de testosterona do usuário voltam a baixar, e muitas vezes ocorre perda significativa do ganho obtido pelo seu uso. Ainda que haja métodos para minimizar essas perdas, a maioria dos homens, após algum tempo, sentem necessidade de voltar a realizar um ciclo para manter o crescimento muscular. Com o uso prolongado de substâncias desse tipo, a produção natural de testosterona do corpo pode diminuir, fazendo com que a pessoa experiencie perda de massa muscular e outros efeitos indesejáveis.

Foi isso o que provavelmente aconteceu com Vitor Belfort, por exemplo: começou a lutar em uma época na qual se fazia vista grossa para o uso dessas substâncias. Quando os eventos se tornaram mais rígidos em relação a testes anti-dopping, parou de usar anabolizantes, mas como seus níveis naturais de testosterona já estavam muito baixos, precisou fazer TRT (terapia de reposição hormonal - o que não é tão diferente). Depois que o UFC baniu o TRT, as mudanças tanto no corpo quanto no desempenho de Belfort foram nítidas.


Por esse motivo, aqueles que realmente se dedicam ao crescimento muscular investem em outros métodos para elevação dos níveis de testosterona, sobretudo adaptações no treinamento e mudanças na alimentação.

O que pouca gente sabe é que a produção de testosterona é bastante sensível a fatores psicológicos, e que o controle adequado desses fatores pode levar a um aumento natural na produção desse hormônio sem a utilização de qualquer substância ou artifício externo.


Além da regulação de atividades fisiológicas, diversos estudos experimentais e correlacionais vem mostrado que níveis elevados de testosterona estão ligados a um aumento em:
  • Agressividade/dominância
  • Interesse sexual
  • Energia, disposição e foco
  • Bem-estar geral e auto-estima
  • Egoísmo
O que vem sendo questionado recentemente, no entanto, é se a relação entre níveis de testosterona e tais variáveis psicológicas é unidirecional. Em outras palavras, o questionamento feito é: um nível elevado de testosterona pode predispor um indivíduo a agir de forma mais dominante... mas agir de forma dominante poderia também elevar os níveis de testosterona?

Há um bocado de estudos que dão suporte a essa ideia. Comecemos pelos animais. Em espécies sociais hierarquizadas, como macacos, o líder do grupo costuma exibir níveis de testosterona mais elevados do que os outros indivíduos. Se em função de alguma disputa ou incidente o líder é substituído, aquele macaco que assumir a liderança apresenta rápidas e imensas elevações nos seus níveis de testosterona. Ou seja, estar em uma posição de liderança/dominância provoca grandes elevações na produção desse hormônio.

Em animais é observado também que logo antes do início de uma disputa (por exemplo, quando machos vão lutar pelo direito de acasalar com uma fêmea), o nível de testosterona dos competidores sofre uma pequena elevação. Terminada a disputa, a testosterona do vitorioso tem um aumento muito maior, e a testosterona do perdedor tem uma grande queda.

Os mesmos efeitos têm sido observados com humanos em situações de competição, como em disputas esportivas ou mesmo em videogames.

Allan Mazur é o propositor de um modelo de reciprocidade entre variáveis psicológicas e níveis de testosterona. O autor considera que o correlato comportamental principal da testosterona é a dominância. É fácil entender como as características psicológicas descritas acima são úteis para alguém que busca ou mantém uma posição de liderança. Do mesmo modo, é vantajoso que indivíduos em posições de submissão tenham um baixo nível de agressividade, interesse sexual e egoísmo, pois eles poderiam ser uma ameaça para a organização hierárquica do grupo. Não coincidentemente, níveis altos de testosterona estão associados a comportamentos anti-sociais, o que faz sentido em indivíduos que não ocupam posições de liderança, mas também não se submeteriam às normas grupais. Um outro dado interessante é que homens apaixonados e casados têm uma queda nos níveis de testosterona, uma vez que se colocam em uma posição de maior colaboração e altruísmo.

Em um estudo bastante interessante, pessoas foram atribuídas aleatoriamente a dois grupos. Em um grupo, invidíduos deveriam passar dois minutos assumindo "power poses" (posturas de poder), enquanto as pessoas do outro grupo deveriam passar o mesmo tempo em posições de retraimento. Com apenas dois minutos de assunção da pose forçada, foram observadas mudanças significativas nos níveis de testosterona dos participantes: aqueles que estavam na postura de poder tiveram um aumento, enquanto que os demais sofreram o efeito oposto.


Eu poderia continuar revendo a literatura científica da área, mas acredito que a maioria das pessoas que está lendo isso se interessou na possibilidade de um "anabolizante psicológico" e não se importa tanto com as firulas científicas, então vou direto ao ponto: existe uma relação bidirecional entre dominância e testosterona. Da mesma forma que elevação na testosterona resulta numa predisposição a características psicológicas ligadas à dominância (agressividade, egoísmo, auto-estima elevada), assumir uma posição de dominância eleva a testosterona. Quando digo "assumir uma posição de dominância", incluo posturas corporais, pensamentos e comportamentos competitivos.

Ainda não existe um método cientificamente estabelecido para aplicabilidade desse conhecimento. É algo que eu gostaria de pesquisar futuramente. Mas a princípio conseguiria pensar em duas formas de induzir um aumento dos níveis T de modo psicológico.

  1. O primeiro deles é mais difícil e provavelmente mais efetivo, que seria uma mudança duradoura de atitude: comportar-se (e pensar) de forma mais dominante, talvez agressiva, competitiva, com algum tipo de imposição de superioridade. Isso seria mais fácil, obviamente, para um indivíduo que ocupa uma posição compatível (como um chefe). Se não for o caso, exigiria um grande nível de esforço mental, e um trabalho psicológico que talvez eu não consiga descrever aqui... mas basicamente, uma espécie de auto-lavagem cerebral.
  2. O segundo é mais fácil, mais simples, embora não saiba dizer o quão efetivo seria, e envolveria exercícios pontuais, como a adoção das posturas de dominância (power poses) em horários específicos, e talvez alguns exercícios de imagem mental para simulação de situações de dominância (cenários mentais). Até jogar video-game poderia gerar algum tipo de resultado, desde que você vença (obviamente) e que envolva algum nível de tensão (não pode ser muito fácil). Eu sei que os níveis de testosterona do homem variam muito rapidamente e flutuam ao longo do dia, então não saberia dizer com exatidão os melhores momentos para isso. Mas começaria pensando numa rotina pré-exercícios, envolvendo posturas e atividades competitivas resultando em vitória, e uma rotina mental deitado na cama logo antes de dormir, com imaginação de cenários de dominância.
Em poucas palavras: não importa que você seja realmente foda. O importante é que você acredite nisso, e aja de acordo.

Experiência pessoal: quando comecei a levar essas ideias a sério e sintonizar minha cabeça e meu comportamento com o "modo dominante", ganhei 1,5kg em uma semana, o que para mim é muita coisa, nunca tive ganhos tão rápidos. Não tenho certeza se foi reflexo de um aumento de produção de testosterona, mas me parece plausível. O problema mesmo, de um ponto de vista psicológico, foi manter essa sintonia: cansa, torna-se artificial e desgastante.


Acredito que esse seja mais um campo a ser melhor explorado e estudado, e ainda não existem boas respostas. Mas a mudança de hábitos ou criação de rotinas psicológicas parece ser uma ferramenta promissora para o aumento natural da produção de testosterona, o que poderia se converter em melhores ganhos na academia, além de outros benefícios para a saúde mental e física.

É importante destacar também que a testosterona e o cortisol (hormônio ligado ao estresse) são reciprocamente inibidores. A exposição frequente prolongada a situações de estresse aumenta a produção de cortisol, o que bloqueia os efeitos da testosterona além de promover outros efeitos indesejáveis como perda de libido, mal-estar, disfunções eréteis, aumento no acúmulo de gordura e baixa imunidade. Válido dizer que o estresse, assim como a dominância, não está necessariamente relacionado à exposição a situações bastante estressoras, mas à forma como se lida com elas - para algumas pessoas, mesmo situações cotidianas simples podem gerar muita preocupação e estresse, o que teria um efeito na produção de cortisol. Portanto, para que se atinja os resultados desse possível método, é fundamental manter a saúde mental em dia.

Veja também:
Relatos de um homem que dobrou sua produção natural de testosterona com alimentação, treinamento e mudança de hábitos.

Posturas de macho alfa nos exercícios para aumento da testosterona.

Modelo de Allan Mazur da reciprocidade entre dominância e testosterona.

Amy Cuddy falando sobre postura corporal, auto-confiança e testosterona (TED Talk)

*Observação: toda a discussão feita nesse texto refere-se a testosterona em homens. O funcionamento desses processos em mulheres pode variar.